A banda 'Judas' mistura
a viola caipira com rock e pop, para criar um estilo único
intitulado como “hard-roça”.
A banda brasiliense 'Judas' nasceu do processo de reinvenção do compositor Adalberto Rabelo Filho – paulistano típico com raízes em Pernambuco e Rio de Janeiro. São dele as composições da banda 'Numismata' e as parcerias com Thadeu Meneneghini para a banda 'Vespas Mandarinas'.
Quanto veio para
Brasília, Adalberto passou por dificuldades pessoais, mas encontrou
no mesmo cerrado do auto-exílio a ideia que faltava a sua
redescoberta como artista. Foi com a viola caipira do cerrado
característico da cidade, que ele ressurgiu com um punhado de belas
canções. Com as composições prontas, Adalberto buscou um time de
músicos para personificarem as canções e dar-lhes uma forma
definitiva.
Com produção,
guitarra e baixo de Kadu Abecassis, viola caipira e violão de Fábio
Miranda, piano e teclados de Helio Miranda, bateria de Augusto
Coaracy e algumas participações especiais, Lucas Muniz na sanfona e
clarone, Janaina Pereira ('Bicho de pé') nos vocais e Fernando
Rodrigues ('Pé de Cerrado') na percussão e no baixo em algumas
músicas.
'Nonada' abre o álbum
com a analogia do sentido da palavra – na obra de Guimarães Rosa
têm o significado de “ninharia” ou “coisa de pouco valor” –
com a forma que a cultura popular é tratada atualmente. Composta em
parceria de Adalberto com Fábio Miranda, que também compôs 'Flor
do Agave', uma ode à redenção pela flor do título, que brota uma
única vez para morrer dando lugar a novos frutos.
'Adeus violeiro' traz a
primeira participação da cantora Janaina Pereira. Seguida por
'Mormaço', que releva o sentimento de que o “sertão está em todo
lugar”. Em 'Canção do exílio' Adalberto remete ao texto de
Gonçalves Dias, 'Canções do Exílio', ao mesmo tempo em que fala
pela primeira vez da sensação de estar auto-exilado na capital do
país. Já na canção seguinte, Adalberto assume a posição de
candango nato em 'Cobra criada', com participação de Dillo Daraujo
e Pio Lobato nas guitarras.
'Caim' sugere uma suposta formação de uns 'Novos Goianos', através da influência de Raul Seixas
e dos 'Novos Baianos'. 'Entradas e bandeiras' trás a participação
de Cacai Nunes na viola de cocho, numa alusão ao êxodo e ao
desbravamento. 'De Comala a Macondo' mistura o realismo fantástico
do mexicano Juan Rulfo com o do colombiano Garcia Marques e com o
brasileiro João Cabral de Mello Neto.
'Dobrado' é a
delicadeza na forma de canção com a mistura do blues com o
cancioneiro popular violeiro. 'Lugar público' tem a participação
da rabeca de Siba Veloso e a voz de Janaina Pereira. De certa forma,
uma homenagem a José Agripino de Paula.
O disco encerra com
'Pássaro azul', uma canção de duplo sentido, que traduz o
sentimento de encerramento de um ciclo. Existe ainda uma faixa
escondida, 'Muçurana', uma singela reflexão que representa o
“Oroboro” – uma serpente (ou dragão) que morde a própria
cauda – reforçando o próprio significado do álbum.
Por isso, o álbum
'Nonada', que saiu pela 'Tratore', é uma obra coesa, que retoma a
tradição das canções populares e subverte as próprias
composições, trazendo-as à atmosfera atual e contemporânea.
Seguem algumas linhas
da conversa que tive com o mestre Adalberto...
Como foi que você teve
a certeza do que seria músico e compositor?
Eu não tenho certeza
ainda.
Na verdade, eu acho que
a música é mais um meio de expressão da minha poesia. Eu sou mais
letrista, gosto da disciplina que a música obriga as palavras a
assumirem, mas todas as melodias e a maior parte das harmonias eu
faço também pra dar sentido emocional ao que estou tentando
transmitir.
Diria-se o singer
songwriter (cantor compositor em português). Acho que o Leonard
Cohen seria o exemplo óbvio de referência.
E quanto ao
'Numismata'? A banda acabou? O último disco foi de 2009...
O 'Numismata' não
acabou, ele existe ainda, de certa forma. Nesse mês a gente lança
os lados B que ficaram de fora do 'Chorume' (2009) na plataforma
digital – o disco vai se chamar 'Jenkem' e sai no dia 27 de agosto.
E como surgiu a ideia do 'Judas'?
Cara, eu cheguei aqui
em Brasília e tive alguns percalços e o 'Judas' é a personificação
desse caminho de reinvenção de mim como artista.
É um personagem que eu
usei pra transcender essas dificuldades e ao mesmo tempo buscar a
identificação das pessoas. O exilado, o proscrito em sua busca de
redenção, o pária alfa.
Você
não acha que o nome 'Judas' carrega uma imposição negativa?
Eu acho. Mas a intenção
é essa. De se colocar na posição de condenado, pras pessoas ao
mesmo tempo escurraçarem e se identificarem, que nem na malhação
do Judas. Iisso permite que role uma sinceridade no “condenado”,
uma liberdade. Tipo assim, é muito massa almejar ser Jesus, é legal
tentar seguir São Francisco, mas todo mundo é Judas.
O importante é que a
galera entenda que a identificação é com as falhas, que o ser
humano é falho como o Judas. É uma lógica reversa da galera se
olhar no espelho invertido e ver que não se pode julgar ninguém.
Porque no final todo
mundo está sujeito ao erro. Falar a verdade e dar a real com
liberdade, por isso pus a gente nessa situação de erro. Porque
liberta.
É incrível que esse
sentimento seja extravasado usando a viola caipira, que é uma forma
de arte mais antiga e até discriminada...
É por isso que é
legal. Porque como terreno inexplorado é riquíssimo em
possibilidades, da mesma maneira que se releu o maracatu, o samba ou
o frevo. E faz essa ponte do cerrado, com São Paulo, minha terra
natal. Porque a viola é essencialmente paulista e é o primeiro
instrumento a aportar no Brasil, com os Jesuítas. E nada mais justo
que uma banda chamada 'Judas' venha levar a viola prum terreno mais
pop.
Fora que eu acho que
isso é natural no pop, como o manguebeat. É a possibilidade cíclica
do tempo e da eterna renovação das coisas, como diziam Leminski e
Wally Salomão (sobre a poesia do futuro).
Se eu fosse definir
melhor, diria que é uma retomada de fé no formato de canção
popular. A retomada de fé numa banda chamada 'Judas' – é própria
expiação pelos pecados.
Mas a gente foi atrás
de certa sonoridade híbrida, claro. Misturando as referências de
regionalismo com as referências do que é "pop". E as
letras fazem a liga...
E o que você está
esperando alcançar com esse trabalho?
Eu espero que a galera
se interesse pela proposta “diferente” e ouça bastante e curta
as letras bastante também...
2014 Nonada
1. Nonada
2. Adeus, violeiro
3. Mormaço
4. Canção do exílio
5. Cobra criada
6. For do Agave
7. Caim
8. Entradas e bandeiras
9. De Comala a Macondo
10. Dobrado
11. Lugar público
12. Pássaro azul
13. Muçurana
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