10.26.2014

MUNTCHAKO É NOCAUTE CERTO



O 'Muntchako' é uma pancada forte no estômago. Dessas que pode ser sentida também dos tímpanos aos pés. É como um soco de uma polegada do Bruce Lee, e também flui como água, sem a menor contenção.

Ë ao mesmo tempo um som macio e áspero, revelando toda a dureza da arma de artes marciais. Mas também é suave e pesado como deve ser todo som recheado de groove. De balanço o 'Muntchako' é cheio. A sonoridade remete à clássicos como Fela Kuti e Santana, mas também aparecem influências mais atuais.

A construção sonora denota certos elementos cinematográficos com um roteiro livremente inspirado nas artes marciais – relacionando também o nome da banda com o cenário dos filmes de luta. A utilização de elementos analógicos, digitais, orgânicos e eletrônicos faz com que o som seja visto como uma entidade mais parecida a um ciborgue.

Formado por Macaxeira Acioli (percussão e samplers), Rodrigo Barata (bateria e samplers) e Samuel Mota (guitarra, synths e programações), o 'Muntchako' apresenta um som de pegada firme e forte como qualquer golpe fatal. Com a grafia incorreta, Acioli afirma que acredita dessa forma apelar ao inconsciente coletivo brasileiro, que já é acostumado com o erro da escrita.

O certo é que o 'Muntchako' apresenta uma forma única de fazer música, onde realmente os fins justificam os meios. Tudo pode, desde a utilização de qualquer ritmo a quaisquer timbres e não existem amarras para a realização de qualquer parada. O 'Muntchako' surfa nesta nova maneira de se produzir e consumir música decolando de forma surpreendente com uma canção ao mesmo tempo hype e vintage.

'Emojubá' é o nome do petardo e trás referências de tudo que esses camaradas produziram até hoje. Acioli trouxe reverências do 'Cabruêra' e 'Hypnotic Brass Ensemble', Barata da banda 'Sistema Criolina' e Samuel do 'Jah Live' e GoG.

Os três formam um trio diferente, que combina muito bem todas as distintas qualidades, unificando o som numa parede sonora, que mal pode ser classificada em qualquer gênero ou estilo. Ouve só, que a cuca fundida é garantida...

10.19.2014

ME LEVARAM PARA NAVEGAR EM OUTRAS ÁGUAS

Cantor paulistano apresenta obra madura em disco conceitual cheio de referências que vão desde 'Bossa Nova', 'Tropicália' ao 'Clube da Esquina'.


O terceiro álbum de Pipo Pegoraro chega com identidade única e apresenta uma banda de pegada forte, firme e coesa. Com produção e direção musical de Romulo Fróes, a banda fez uma imersão em estúdios de ensaio e definiu os arranjos de todo disco.

Esta banda é formada por Décio 7 na bateria, Gustavo Cék na percussão, Marcelo Dworecki no baixo, Cuca Ferreira no saxofone e flauta, Fernando TRZ no piano e Lucas Cirillo na gaita, além do próprio Pipo nas guitarras e vocais.

O álbum abre com 'Aiyê', uma delicada overture para um complexa obra conceitual. 'Cambaleei' tem participação de Xênia França nos vocais – que também divide os vocais com Pipo na banda 'Aláfia'. 'Dia desses' apresenta uma peça “rockenrou”, meio afrobeat, meio jazz – um dos belos resultados dos ensaios exaustivos para a criação de todos arranjos.

'Indecifrável' tem a voz de Filipe Catto – sem falar na segunda aparição de Xênia – com a percussão adicional de Guilherme Kastrup, o clarinete de Luca Raele e baixo acústico de Marcelo Cabral, numa canção composta em parceria por Pipo e Fróes. 'Olhos de Henri' é o perfeito interlúdio para esta obra envolvente e “submersiva”.

'Sabão de coco' trás um quarteto de cordas – com Veridiana Oliveira e Alexandre Brito (violino), Marcio Eli Junior (viola) e Yaniel Matos (violoncelo) – numa canção de estranha beleza, mas que remete ao som natural do Brasil, evocado lindamente anteriormente por Tom Jobim e pelos mineiros do 'Clube da Esquina'. Além das influências das terras tupiniquins, Pegoraro apresenta referenciais no outro lado do Atlântico.

Em 'Pra continuar' ele introduz o tema em loop remetendo à introdução de 'On the run' do 'Pink Floyd' – no 'Dark Side of the Moon'. Para logo em seguida apresentar ecos de 'Let there be more light' – faixa de abertura do álbum 'A Sacerfull of Secrets' do mesmo 'Pink Floyd'. Com a voz cadente de Romulo Fróes, a canção parece mesmo ter saído de algum álbum dos bardos ingleses, mas sempre mantendo o tempero característico do inúmeros mulatos inzoneiros, que são reverenciados neste álbum.

'Saudação' segue como uma vinheta de abertura para a canção 'Rosália', que conta com o vibrafone de Beto Montag fazendo contraponto ao conjunto da obra. Nessa canção, Pipo vai desvelando o material e deixando claro que sua zona de conforto ficou para trás – como diz a letra em “me levaram pra navegar em outras águas” – canção de Pipo e Pablo Casella. 

'O que só cabe em nós' encerra o álbum dando um resultado a todo contexto, como o final de um tear ou numa colagem antropofágica. Com a voz de Luz Marina e composta numa parceria de Pegoraro com o poeta Arruda, a canção além de dar título à obra, revela o significado de tudo que foi apresentado desde então.

O disco de Pipo Pegoraro define-se apenas no final. Desvela-se quando finda. Enfim... Ouça até o fim e verá...

2014 Mergulhar Mergulhei

1. Aiyê
2. Cambaleei
3. Dia desses
4. Indecifrável
5. Olhos de Henri
6. Sabão de coco
7. Pra continuar
8. Saudação
9. Rosália
10. O que só cabe em nós

10.12.2014

PODE VIR QUENTE QUE O QUE É TEU TÁ GUARDADO

Como uma Unidade, Saulo Duarte e banda apresentam o veneno do Quente, segundo álbum do grupo.  

Saulo Duarte despontou em 2013, com o ótimo disco auto intitulado e grandes canções como 'Amor de piração', 'Mistério no olhar', entre outras. Tocando com o mesmo grupo há seis anos – 'Saulo Duarta e a Unidade' como são conhecidos – eles fazem uma sequência perfeita para o disco do ano passado.

O álbum 'Quente' faz a mesma receita dançante e cosmopolita de sons latinos como a cumbia, o carimbó, calipso, reggae, lambada e guitarrada, e simplesmente uma música boa para ouvir e requebrar os quadris. Mas que fique bem claro que lambada é o mesmo que guitarrada.

Com um disco de canções populares, Saulo passeia em um repertório de canções inéditas que se valem de diversos ritmos latinos. Tem a guitarrada de 'Zonzon' e 'Lambada do anel', mas também trás a cumbia de 'Flores do ar' e 'Dos olhos em diante', que mistura influências westerns-norte-americanas.

Com Duarte nos violões, guitarras e vocais, João Leão nos teclados, Klaus Senna no baixo, Beto Gibbs na bateria e Túlio Bias e Igor Caracas nas percussões, a banda bem afinada e azeitada esbanja naturalidade e ainda conseguiu participações de gente como Manoel Cordeiro, Betão Aguiar, Mestre Dalua, Jorge Ceruto e muitos outros.

Em 'Yo vengo' o grupo apresenta uma balada carregada na sensualidade dos vocais de Vera Souza, enquanto 'Massafera' abusa do suíngue na participação cósmica de Daniel Groove. O reggae de 'Me dei conta' tem a participação de Curumin, que também toca clavinete e mpc.

Há carimbó nas faixas 'Tô que tô... saudade' com os vocais de Luê, e 'No coração da mata' com a voz de Felipe Cordeiro. Esta última canção encerra o álbum com ares tropicalistas e referências mil de Caetano aos arranjos de Julio Medaglia.

O disco apresenta um Brasil Amazônico ao dar uma roupagem popular à todos os cânticos tradicionais dos povos de todos os lugares. Para todos aqueles que ouvêm desde Gaby ao Mestre Lua.

2014 Quente

1. Flores pelo ar
2. Na companhia dos seus
3. Dos olhos em diante
4. Tô que tô... saudade
5. Zonzon
6. Ya vengo
7. Me dei conta
8. Lambada do anel
9. Massafera
10. Interlúdio Zonzon
11. No coração da mata

10.05.2014

BARULHO FEIO DA MENTE DE ROMULO

Compositor paulistano lança quinto disco da carreira solo entre o silêncio e a palavra, o samba e o experimental. 



O álbum 'Barulho Feio' mostra um Romulo Fróes hermético e cheio de caos e simplicidade, com as participações de Marcelo Cabral (baixo elétrico e acústico), Guilherme Held (guitarra) e Thiago França (saxofone). Pode ser um disco de samba, mas também pode ser experimental, bem como também da nova safra de música popular brasileira.

Romulo vêm como um cão calado que morde para depois assoprar. 'Barulho Feio' abre com a cacofônica 'Não há, mas derruba' para em seguida dar lugar para a delicadeza de 'Na minha boca'. Nesse disco, a rua está presente como fio condutor entre todas canções, criando uma unidade para todo o conjunto – como deixa bem claro na canção seguinte. 'Pra comer' é delicada e ao mesmo tempo cheia de brutalidade.

O violão de Fróes pontua 'Como um raio', seguida pela voz clara e nua em 'Poeira' – “poeira os olhos dentro d'água” diz a letra de Nuno Ramos dentro da melodia de Mariana Aydar. Porque o disco é sobre melodia do silêncio e da palavra – como bem exemplificado na canção-título, 'Barulho feio'.

Em 'Espera' Fróes faz um dueto com Juçara Marçal, sobre os sons de rua que apesar de permanecerem em segundo plano estão sempre prevalecendo entre uma canção e outra. 'Ó' trás referências e reverências às canções de bossa-nova, com a desconstrução total de todos elementos que tornaram o movimento tão bem sucedido.

'Peixinho triste' foi composta por Lanny Gordin, Held e Ramos, onde os sons da rua se confundem com a melodia, criando uma ponte perfeita para a próxima faixa, 'Cadê'. Na sequência 'Se você me quiser', mais um exemplo do bate e consola deste álbum. 'Noite morta' segue distorcendo e entortando até não sobrar osso sobre osso.

Em 'O que era meu', Fróes transforma o ouvinte nas cordas do violão (ou guitarra) no momento de afinação do instrumento. Esticando e tencionando todas percepções auditivas. 'Para ouvir sua voz' retira toda tensão aplicada na afinação forçada para dar lugar à delicadeza bela e simples. Encerrando na singela 'A luz dói'.

O álbum 'Barulho Feio' é uma obra coerente e coesa entre si e todos outros discos lançados este ano. Com este disco, Romulo se detém como maestro de uma geração – ditando modelos e retirando quaisquer limites quanto gêneros, ritmos e estilos.

2014 Barulho Feio

1. Não há, mas derruba
2. Na minha boca
3. Pra comer
4. Como um raio
5. Poeira
6. Barulho feio
7. Espera
8. Ó
9. Peixinho triste
10. Cadê
11. Se você me quiser
12. Noite morta
13. O que era meu
14. Para ouvir sua voz
15. A luz dói