De como a cantora se juntou ao maestro para criarem uma ópera-batuque em homenagem ao passado, presente e futuro.
O novo disco de
Ligiana
nasceu muitos anos antes, mas ninguém sabia disso ainda, nem mesmo a
própria cantora. Nasceu junto com a própria artista, antes que ela
mesmo decidisse trilhar a carreira como musicista. Estava encrustado
em sua pele por toda a infância, e ficou pelas memórias e
lembranças desde então.
Com produção e
arranjos do maestro
Letieres Leite, da
Orquestra Rumpilez,
Ligiana
compôs uma obra singular com um pé na tradição de batucada e
outro no lirísmo concertista, o disco intitulado 'Floresta'. A
cantora é filha de mãe mineira com o jornalista maranhense, Celso
Araujo, que também é cantor, compositor e filho da Floresta
homenageada por esta singela ópera.
Destaque para o disco
todo em si, uma vez é impossível separar as canções de sua ordem
no álbum. 'Floresta' é um álbum a ser contemplado. Uma forma
orgânica, viva e de força própria. Toda essa força emana através
da cantora, que se transforma na essência de artista que sempre
carrega consigo.
O disco foi todo
gravado em quatro madrugadas intensas, com Marcio Diniz na bateria e
percussão, Ayrton Zettermann nos baixos e contrabaixos, Gerson Silva
nos violões e outras cordas e Bruno Aranha no piano – Tito
Oliveira, Idson Galter, Juninho Costa e Marcelo Galter tocam
respectivamente os mesmos instrumentos na faixa 'Boi de Catirina'.
No final do processo,
foram adicionados mais percussões, cordas, sopros e vocais, para
tudo ser mixado por André T. ao lado de
Letieres. Com esse álbum,
Ligiana pretende apresentar um espetáculo com verve cênica. Neste
álbum ela é a Floresta.
Ligiana, como você
chegou ao Letieres? E como foi trabalhar com ele?
Nos conhecemos na Bahia
e de cara vimos que podíamos fazer música juntos. Letieres é um
inquieto dos sons, um gênio generoso e nos encantamos um pelos
universos sonoros do outro. Dei carta branca para os arranjos e
produção dele, e ele foi muito cuidadoso e delicado ao se aproximar
do repertório que eu havia compilado, trabalhamos muito juntos e em
sintonia altíssima. O fato de se tratar de um disco independente é
muito positivo neste caso, não fizemos nenhuma concessão, colocamos
nossos desejos e loucuras inteiras no disco e acho que isso faz do
resultado algo bem honesto.
...E você Letieres?
Na realidade quando
conheci Ligiana, não estava ainda em questão realizar algum
trabalho juntos... Mas sabia que se algo realizássemos seria muito
interessante por causa da musicalidade e conhecimento que ela possui.
Como você definiu a
linha de produção do álbum?
Um trabalho simples e
bem objetivo baseado na idéia de um trio de base (com participações
extras pontuais) num estilo de gravação direta com o mínimo de
interferência (num conceito “ao vivo”).
Ligiana, como você vê
essa forma de gravar o disco ao vivo? Sem interferência alguma no
processo...
Eu venho de música de
câmara, de conjunto. Para mim esta é a forma mais fundamental de
fazer música... fazendo juntos! Não trabalhei assim no primeiro
disco mas fiquei feliz de ter feito 'Floresta' desta forma viva e
vibrante. Acho que os deuses da música agradecem sempre que a
tratamos assim, de maneira ritualística.
Como você define esse
álbum?
Acho que o disco
reflete o que de melhor eu podia fazer neste momento da minha vida, e
isso já é bastante. Fiquei feliz por ter ousado vocalmente,
passeado em territórios que podem até parecer inusitados de
colocação vocal mas que fazem parte da minha historia com a música.
Eu aprendi muito gravando e trabalhando com Letieres, que tem pilares
muito firmes na forma de abordar a música, isso é muito tocante...
Um deles, por exemplo é a questão rítmica e o respeito às claves.
Isso transforma a forma de cantar, de dizer o texto. Foi um desafio
maravilhoso!
Letieres, tive a forte
impressão do disco ser uma obra completa... Quase uma ópera... Uma
ópera-batuque. Qual é a sua impressão pessoal sobre o álbum?
Pessoalmente não
acredito que a parte batuque (nome genérico da percussão
afro-brasileira) seja tão preponderante neste trabalho (duas são as
músicas com percussão).
Acho que o foco está
claramente nas interpretações magistrais de Ligiana.
Ligiana, você compôs
várias faixas do disco? Como foi assumir esse lado de compositora?
Sim, a maioria das
canções são minhas, muitas em parcerias com Juliana Kehl, Chico
César, Celso Araujo, Marcel Martins e Lucas Paes. E algumas são
pérolas, como é o caso da canção do Haiti, que dialogam muito bem
com o repertório autoral, assim como é o caso da versão que meu
pai fez
para uma canção de
Pino Daniele.
Letieres me deixou
muito segura para cantar composições minhas, valorizou meu lado
compositora e criadora, isso foi fundamental.
Ligiana, você comentou
que o disco homenageia sua avó... Essa homenagem foi pensada?
Programada?
Floresta era o nome de
minha avó paterna, maranhense. O disco não começou a existir a
partir de uma homenagem a ela. A energia dela que veio se aproximando
do disco até se tornar o próprio disco. Eu brincava que o disco
deveria se chamar “Que no Planeta haja Música e Dança, a Cidade e
a Floresta, o Silêncio e a Conversa entre Irmãos”, que é o
trecho final da canção que abre o disco, 'Malabares'. Eu gosto
dessa frase porque ela é positiva e engloba minha visão de
existência, mas é claro... É longuíssima!
Então pensei em
Floresta e na hora veio o estalo: meu Deus! Sou neta da Floresta! O
Maranhão, estado dela e do meu pai (que é meu parceiro) foi
aparecendo pra mim, decidi gravar a 'Canção de Sousândrade' que
meu pai compôs a partir de poemas deste grande poeta maranhense do
século XIX, que ele canta pra mim desde criança. Depois descobri o
'Boi de Catirina', que é uma historinha a parte - eu e Letieres
ouvimos este boi e eu mandei pro meu pai perguntando se conhecia...
Ele me respondeu “claro, sua avó adorava cantar isso”... Dizer o
que mais? E depois, já perto de gravar o disco, compus junto com
Letieres 'Corda e Mearim', uma vinheta que fala da Floresta e das
florestas (o nome faz referência aos dois rios que se encontram em
Barra do Corda, a cidade onde ela nasceu).
Mas nem todo o
repertório se relaciona com Floresta, apesar de que sinto que todas
as canções são habitadas por uma espécie de entidade em comum, a
floresta aqui é a avó, é a ancestralidade, somos nos mesmos.
Letieres, como foi
trabalhar com Ligiana?
Te respondo que raras
são as oportunidades de se puder trabalhar com uma cantora com tanto
estofo. Uma artista com uma percepção e formação pratica e
teórica tão ampla e criativa, tornando o trabalho um agradável
passeio.
Ligiana, quais são os
planos pra o lançamento do disco?
Meus planos são cantar
e fazer com que 'Floresta' seja ouvida! Não temos ainda datas de
shows completamente confirmadas mas as pessoas podem ficar atentas no
facebook e no site! Em breve espero ter datas. Minha vida agora anda
mais corrida porque tenho um programa diário na Rádio Cultura FM.
Mas quero muito ver
'Floresta' nas ruas e nos palcos!
2013 Floresta
1. Malabares
2. Desperta
3. Rouge
4. Esmeralda
5. La mizé pra dous
6. Canção de
Sousândrade
7. Salsa petrarca
8. Vem a tempestade
9. Corda e Mearim
10. Boi de Catirina
11. Um pássaro