Sei que muitos irão discordar dessa escolha e posso até concordar que existam candidatos excelentes, que tenham discos até mais populares e fáceis de ouvir que o ‘Sem Nostalgia’ do Lucas Santtana. Para esses, recomendo a audição desse álbum com fones de ouvido...
Acontece que eu o acho importante por uma série de razões, entre elas o fato de ser uma obra que resgata o velho formato voz e violão e subverte-o de tal forma que não parece ter apenas voz e violão. Claro que não há exclusivamente voz e violão, porque existem samples e programações, sem falar em toda a ambientação – mas tudo isso são camadas para cada música.
O disco abre com uma colagem frenética de grandes riffs de violão, ‘Super violão mashup’, começando com ‘Noite de temporal’, de Dorival Caymmi e seguindo com trechos de outros grandes artistas do instrumento, como Baden Powell, Jorge Benjor, Gilberto Gil, Tom Zé, Moraes Moreira, entre outros. Essa faixa funciona bem como abertura e prepara o ouvinte para o que vem a seguir.
A faixa ‘Who can say wich way’ tem uma levada contagiante, que é praticamente impossível não bater o pezinho marcando o ritmo. A interação entre o riff do violão com o violão mineirinho dá força à gravação. Tudo isso aliado à batucada no corpo de outro violão. Por isso mesmo o disco é uma obra de voz, violão e ambiente, nas palavras do próprio Santtana.
‘Night time in the backyard’ é uma parceria com Arto Lindsay. Começa com o violão de Santtana e vai logo apresentando as camadas. Que barulho é esse? Um ruído do som? Não... É um grilo! Cadê esse grilo safado? Mas ai você entra mais fundo no bosque, na floresta, no jardim, ou onde sua imaginação o levar... Essa é uma faixa pra se respirar, junto com a retomada de ar de Santtana, junto com as cigarras, com os grilos e todos outros insetos, capturados na maravilhosa máquina de gravação do tempo... Inspira... Expira... “Closer, closer, closer… night begains to fall”.
‘Cira, Regina e Nana’ tem mais uma levada irresistível, com o riffs e batucadas nos violões entre ecos e delays. Uma das melhores faixas do disco. Uma canção adorável que conta uma história ao inverso do descrito em ‘Terezinha de Jesus’ do Chico Buarque, mas também tem um pé no ‘Taj Mahal’ de Jorge Benjor.
‘Recado pro Pio Lobato’ faz guitarrada misturando violões, com programações e samples. Tudo começou quando Pio Lobato misturou maracatu com guitarrada em ‘Recado pra Lucio Maia’, claramente uma referência ao guitarrista do Nação Zumbi. Antes de Maia poder responder o recado, Santtana pegou o fio da meada e fez essa canção em parceria com Régis Damasceno. Hoje Maia já lançou a sua resposta no disco novo do ‘Maquinado’, ‘Recado ao Pio, extensivo ao Lucas’. Foi assim, que ‘Mr. Spaceman’ acabou sendo esquecido…
‘Hold me in’ é uma balada. Uma nova pausa pra respirar… Enfim. Esse é um disco de voz, violão e ambiente e essa faixa também é uma das favoritas. Tem a voz sussurante de Santtana, os harmônicos no violão e quase que dá pra senti-lo reclamando de sede. Um copo d’água pro Santtana, por favor? Mais uma parceria com a belíssima poesia de Lindsay. “Hold me once, and hold me twice, while night booms on the sand”.
‘Amor em Jacumã’ de Dom Um Romão e Luiz Ramalho, ganhou releitura a altura. A música ficou famosa com arranjo de Sivuca para a banda ‘Cravo & Canela’, mas já estava na hora de trocar “tô na minha, agora” por “vou dar uma bola”. Deu outro sentido à canção, ainda mais com voz, violão e ambientação. Parece uma praiazinha deserta, com coqueiros, periquitos, o sol nascendo... Mas chove no final do dia... Presta atenção na letra, “subindo e descendo nesse vai e vem (...) que lá em Jacumã ninguém conversa não (...) eu vou dar uma bola”... (tosse).
A última parceria com Arto Lindsay, ‘I can live far from my music’ podia ser um rockão, podia ser um industrial, drum’n’bass e podia até mesmo figurar no repertório do disco dub de Santtana, ‘3 Sessions in a Greenhouse’, ou no funkeado de ‘Parada de Lucas’, e até quem sabe no batuque ‘Eletrobendodô’.
Inspira... Expira... ‘Cá pra nós’ é uma parceria com Ronei Jorge. Uma canção que acaba explicando o conceito, ou espírito, do disco, “sem ilusão, sem nostalgia”. ‘O violão de Mário Bros’ repete a fórmula de samples de grandes riffs clássicos do violão brasileiro, construída em parceria com João Brasil.
Em ‘Ripple of the water’ você volta a ouvir a noite cheia de grilos e ouros insetos. É uma faixa que abusa do efeito estéreo e surround, dando a sensação de que se fechar os olhos estará dentro do bosque do ‘Sem Nostalgia’, com a noite estrelada e o barulho dos insetos “in the nightfall”... A voz de Santtana vai passeando pelo canal esquerdo, direito, surround, até o final quando você ouve os passos da voz se distanciando do alto falante.
‘Natureza nº1 em Mi maior’ é faixa que encerra o disco, com a magistral orquestra de insetos e violão de Santtana. Mesmo com três músicas cantadas em português, contra cinco em inglês, Santtana fez um disco mais brasileiro que muitos outros por aí. Por todos esses motivos, que eu recomendo uma audição mais cuidadosa do ‘Sem Nostalgia’.
É portanto, o disco mais importante da década. Um álbum que transcendeu o formato, de voz e violão, tornando impossível associá-lo com a velha fórmula. Em tempo, Lucas Santtana lançou uma coletânia em vinil (pelo selo Vinyl Land) de todos seus discos, inclusive o ‘Sem Nostalgia’.
2009 Sem Nostalgia
1. Super violão mashup
2. Who can say which way
3. Night time in the backyard
4. Cira, Regina e Nana
5. Recado para Pio Lobato
6. Hold me in
7. Amor em Jacumã
8. I can’t live far from my music
9. Cá pra nós
10. O violão de Mário Bros
11. Ripple of the water
12. Natureza nº1 em Mi maior
Abaixar