3.29.2016

JOE SILHUETA E AS CANÇÕES QUE O DYLAN FEZ PARA SI ou AS ANTAS AINDA SE ALIMENTAM DE AIPIM

Cantor, compositor, poeta, livreiro, violeiro e trovador são as diversas faces de um dos novos artistas da cena musical do cerrado.


Joe Silhueta é Guilherme Cobelo ou o vice-versa também seria muito correto. Um personagem criado para vislumbrar de relance o instante da dúvida. Este é o Joe Silhueta. Que nas palavras do criador, Cobelo, “Eu sou o Joe Silhueta né? Eu roubei a voz dele para cantar as músicas que eu fiz, roubei a figura dele, a sombra, me visto de Silhueta pra não ficar tão dentro de mim”, revela.

Quando Guilherme Cobelo deu vida ao personagem interior, o Joe Silhueta, percebeu que estava de frente com uma força natural. Persona que na pior das hipóteses pode servir de válvula de escape para o artista. “Já tenho para quem recorrer quando ficar louco”, confessa Cobelo.

Joe Silhueta é um bardo grogue que canta os poemas colhidos na noite torta. É um trovador no sentido de que a letra conduz a canção. Eu gosto muito e escuto sempre Elomar, que pra mim é o grande rapsodo brasileiro. Admiro muito o jeito dele tocar violão e cantar as histórias, toda a mítica sertânica que o envolve”, define Guilherme.

O fato é que ao criar um heterônimo, Cobelo, se equalizou com diversos artistas transgressores, como poetas, cantores e cantoras – se transformando na sua alternativa pessoal aos funcionários públicos, extra-terrestres ou rainhas monstros – rementendo-nos a Fernando Pessoa e suas outras facetas de Ricardo Reis a Álvaro de Campos; David Bowie em Ziggy Stardust; e Lady Gaga com sua Monster Queen, respectivamente.

Ao criar toda uma mitologia de sertanias, que envolve sua personagem, Cobelo se tornou parte da própria criação e impossível de dissociar da silhueta de seu alter ego. “O bom do Silhueta é que, sendo máscara, posso mudar de rosto quantas vezes quiser, fazer quantas expressões forem necessárias”, enfatiza Guilherme.

Cobelo também já lançou o EP 'O Salto do Cenoura', com o 'Tritongo', um trio instrumental formado por ele, Victor Valentim e Alexandre Lima. O EP foi gravado como trilha sonora para o curta-metragem de Tiago Rocha sobre a Cidade Estrutural. Neste EP há um início do sentimento do Joe Silhueta como personagem...

Mas Cobelo segue transgredindo com boas e atuais composições que versam sobre o cotidiano do cerrado de Brasilia – desde a lei seca a orgasmos múltiplos em horas impróprias...



Como surgiu o Joe Silhueta?

O nome Joe Silhueta me veio em 2008. Surgiu do centro de um redemoinho vertiginoso, coagulou-se em meio ao caos que era a minha vida nessa época. Veio também feito máscara – plá! – e de repente tava ali diante de mim, um rosto se oferecendo ao rosto, ou à falta dele. Mas a figura do Joe como um todo eu ainda não sei quem é. Talvez no começo tenho sido o estranhamento que eu sentia em relação a mim mesmo que gerou esse duplo, não estava acostumado com a minha voz, então acabei inventando uma, várias, para expressar tudo aquilo que estava borbulhando dentro de mim. Depois veio o personagem, ou pelo menos a ideia dele, um menestrel errante, um bardo louco, um trovador grogue vagando por um mundo alucinado, errando pelos abismos de cá e de lá, cruzando com sereias e quimeras, muito mais sonhando que acordado. Sombrio. Mítico, sondando raízes profundas e passados fantásticos. Hoje em dia a Silhueta não é mais tão abissal e já consigo ver ela boiando em outras águas, feito um peixe sedento de luz solar.

Qual Dylan mais influenciou o 'Dylanescas'? O poeta ou o cantor?

Quando eu comecei a compor mesmo, por volta dos 16-17 anos, os discos que mais ouvia eram do Bob Dylan, minha mãe tinha vários dele e rolava de baixar tudo quanto é bootleg e outtake na internet. Passava horas tirando as músicas, traduzindo as letras, aprendendo as afinações que ele usava nas primeiras gravações, vendo os vídeos, lendo as crônicas, os poemas. Naturalmente fui assimilando as estruturas dylanescas, por gosto e por osmose. Quando as canções começaram a sair vieram com essa cara, por isso o nome do EP. É um tributo a essa influência que o Dylan exerceu sobre mim. Do Dylan Thomas mesmo não houve muita influência a não ser através do próprio Bob. 'Fantasmaria' foi feita em cima do campo harmônico de 'Simple twist of fate'; 'Dylanesca' usando o dedilhado de 'Boots of spanish leather'; 'Sapos e absurdos' no espírito de 'Positively 4th street'. São músicas velhas, dessa primeira leva de composições para voz e violão, a mais recente é 'Não ligue o rádio', que deve ser de 2010-11.

Você acha que o Joe Silhueta se encaixa no cenário do rock-rural?

Faz sentido. Até por vivermos no sertão do cerrado, no velho centro-oeste, tão próximos do pasto e das cachoeiras quanto da piração urbana. Muitas vezes o nosso rock é dançar catira. A tendência é sintética, aproximar as tradições sonoras. Mas ao mesmo tempo a “tag” rock-rural pode gerar uma expectativa frustrada, por exemplo, se você colocar lado a lado o 'Dylanescas' e o 'Quimérico', que estou gravando no momento e soa muito mais como forró maldito ou um som pantaneiro urbano, como já disseram uns chegados. É música grogue, tem disso e daquilo aos quilos, muito do espírito estradeiro de 'Sá, Rodrix e Guarabyra', dos delírios de Flaviola; e é rural na medida que Bonifrate e Diego de Moraes o são; sem grilos.

Como foram as gravações do EP?

Quando o EP começou a ser gestado a ideia era ser bem dylanesco mesmo, na linha do 'Freewheelin’, voz-violão-gaita, depois veio a ideia de criar mais arranjos para uma banda de bluegrass, que afinal acabou não saindo do papel. Além da bateria de 'Sapos e absurdos', todo o resto eu e o Kelton quem tocou. O disco precisava sair e foi a maneira mais prática que encontramos para solucionar isso. O Kelton é uma banda inteira. Já pro lançamento resolvi reunir a malungada e montei a 'Noite Torta' com elementos de várias bandas daqui, além do Kelton no baixo e voz, tem o Sombrio – aka Lucas Muniz – na sanfona e clarineta, emprestado do 'Satanique Samba Trio' e 'Cantigas Boleráveis', o Thiago de Lima Cruz do 'Bloco das Divinas Tetas' e 'Zabumbazul' na percussão, Márlon na bateria e Beleza, do Judas, na guitarra, membros do 'Almirante Shiva' que também tocam comigo na 'Korina', e Tarso Jones no teclado e Gaivota Naves na voz, diretamente dos 'Rios Voadores'. É uma loucura, um fuzuê mutante, amigos tocando junto, ora em octeto, quinteto, ora quarteto, ou solo, se for o caso, vai saber.

Já existem mais canções para um segundo EP?

Sim, alguns discos, as músicas já estão prontas. Tem o 'Sem ponteiros', o 'Lunário', que são a sequência do 'Dylanescas'. Uma trilogia. Como início de novo ciclo, pós-'Noite Torta', viria o 'Quimérico', com o 'Bando de Imburana' com o Munha do 'Satanique Samba Trio', Sombrio e Hélio Miranda, bateirista dos Rios Voadores – que vai acabar saindo antes dos outros dois por circunstâncias mágicas. No show de lançamento a gente misturou um pouco do repertório do 'Bando', que tem um som muito mais a ver com Alceu Valença no começo de carreira do que com o Bob Dylan. Então assim, na sequencia do 'Dylanescas' vem esse outro disco com as sertânicas, um álbum. Embora eu esteja usando o nome Joe Silhueta para os dois projetos – já que o movimento é para unifica-los –, o personagem Imburana tem uma mitologia própria. É o aspecto solar do Silhueta, é ele emergindo dos abismos galopando uma quimera e se realizando na superfície mundana, meio lunático ainda, é verdade, mas um pouco mais eufórico que o duplo anterior. O 'Quimérico' tá sendo produzido pelos 'Tenebrothers' (Jota Dale e Munha da 7), que também são do 'Satanique Samba Trio' e deve sair no segundo semestre de 2016.

Me fala do 'Dom Caixote'?

O 'Dom Caixote' é um sebo andarilho que ganhou forma e nome em 2014. Mas vender livro na rua eu vendo há muito tempo, desde 2004. De bar em bar, de mesa em mesa. Hoje em dia o Caixote vai até às feiras, ocupa outros espaços, vende pela internet, tem estante no 'Llolla Lab' e aos poucos vem se tornando também uma editora e publicadora, tem o selo 'Grogue' que já lançou um texto meu ('Ela me entregou o cavalo naquele ermo e desapareceu') e uma coletânea minha e da Gaivota Naves, as 'Kartas do Abismo', que é um dos cadernos da 'Mitologia Grogue'.

Qual sua opinião com toda essa questão de free-downloads?

A minha opção com esse ep foi disponibilizar gratuitamente na internet para conseguir um alcance maior. Com os próximos lançamentos vou fazer o mesmo, mas também vou colocar à venda, se alguém quiser pagar, que pague. Mas espero mesmo vender os discos em shows, por encomenda e no 'Dom Caixote'. Eu me criei baixando músicas de graça no mirc, no Napster, em blogs, e acredito que foi graças a toda essa profusão de informações que cheguei às pérolas. E nunca deixei de comprar um disco que eu quisesse muito porque já tinha em casa em mp3. É assim: freetura.

2016 Dylanescas (408 Melancolia)

1. Dylanesca
2. Não ligue o rádio
3. Canto de Orfeu
4. Fantasmaria
5. Sapos e absurdos

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