8.24.2014

NONADA É O JUDAS NO MEIO DA RUA ou DO AUTO-EXÍLIO AO RENASCIMENTO

A banda 'Judas' mistura a viola caipira com rock e pop, para criar um estilo único intitulado como “hard-roça”.



A banda brasiliense 'Judas' nasceu do processo de reinvenção do compositor Adalberto Rabelo Filho – paulistano típico com raízes em Pernambuco e Rio de Janeiro. São dele as composições da banda 'Numismata' e as parcerias com Thadeu Meneneghini para a banda 'Vespas Mandarinas'.

Quanto veio para Brasília, Adalberto passou por dificuldades pessoais, mas encontrou no mesmo cerrado do auto-exílio a ideia que faltava a sua redescoberta como artista. Foi com a viola caipira do cerrado característico da cidade, que ele ressurgiu com um punhado de belas canções. Com as composições prontas, Adalberto buscou um time de músicos para personificarem as canções e dar-lhes uma forma definitiva.

Com produção, guitarra e baixo de Kadu Abecassis, viola caipira e violão de Fábio Miranda, piano e teclados de Helio Miranda, bateria de Augusto Coaracy e algumas participações especiais, Lucas Muniz na sanfona e clarone, Janaina Pereira ('Bicho de pé') nos vocais e Fernando Rodrigues ('Pé de Cerrado') na percussão e no baixo em algumas músicas.

'Nonada' abre o álbum com a analogia do sentido da palavra – na obra de Guimarães Rosa têm o significado de “ninharia” ou “coisa de pouco valor” – com a forma que a cultura popular é tratada atualmente. Composta em parceria de Adalberto com Fábio Miranda, que também compôs 'Flor do Agave', uma ode à redenção pela flor do título, que brota uma única vez para morrer dando lugar a novos frutos.

'Adeus violeiro' traz a primeira participação da cantora Janaina Pereira. Seguida por 'Mormaço', que releva o sentimento de que o “sertão está em todo lugar”. Em 'Canção do exílio' Adalberto remete ao texto de Gonçalves Dias, 'Canções do Exílio', ao mesmo tempo em que fala pela primeira vez da sensação de estar auto-exilado na capital do país. Já na canção seguinte, Adalberto assume a posição de candango nato em 'Cobra criada', com participação de Dillo Daraujo e Pio Lobato nas guitarras.

'Caim' sugere uma suposta formação de uns 'Novos Goianos', através da influência de Raul Seixas e dos 'Novos Baianos'. 'Entradas e bandeiras' trás a participação de Cacai Nunes na viola de cocho, numa alusão ao êxodo e ao desbravamento. 'De Comala a Macondo' mistura o realismo fantástico do mexicano Juan Rulfo com o do colombiano Garcia Marques e com o brasileiro João Cabral de Mello Neto.

'Dobrado' é a delicadeza na forma de canção com a mistura do blues com o cancioneiro popular violeiro. 'Lugar público' tem a participação da rabeca de Siba Veloso e a voz de Janaina Pereira. De certa forma, uma homenagem a José Agripino de Paula.

O disco encerra com 'Pássaro azul', uma canção de duplo sentido, que traduz o sentimento de encerramento de um ciclo. Existe ainda uma faixa escondida, 'Muçurana', uma singela reflexão que representa o “Oroboro” – uma serpente (ou dragão) que morde a própria cauda – reforçando o próprio significado do álbum.

Por isso, o álbum 'Nonada', que saiu pela 'Tratore', é uma obra coesa, que retoma a tradição das canções populares e subverte as próprias composições, trazendo-as à atmosfera atual e contemporânea.

Seguem algumas linhas da conversa que tive com o mestre Adalberto...

Como foi que você teve a certeza do que seria músico e compositor?

Eu não tenho certeza ainda.
Na verdade, eu acho que a música é mais um meio de expressão da minha poesia. Eu sou mais letrista, gosto da disciplina que a música obriga as palavras a assumirem, mas todas as melodias e a maior parte das harmonias eu faço também pra dar sentido emocional ao que estou tentando transmitir.
Diria-se o singer songwriter (cantor compositor em português). Acho que o Leonard Cohen seria o exemplo óbvio de referência.

E quanto ao 'Numismata'? A banda acabou? O último disco foi de 2009...

O 'Numismata' não acabou, ele existe ainda, de certa forma. Nesse mês a gente lança os lados B que ficaram de fora do 'Chorume' (2009) na plataforma digital – o disco vai se chamar 'Jenkem' e sai no dia 27 de agosto.

E como surgiu a ideia do 'Judas'?

Cara, eu cheguei aqui em Brasília e tive alguns percalços e o 'Judas' é a personificação desse caminho de reinvenção de mim como artista.
É um personagem que eu usei pra transcender essas dificuldades e ao mesmo tempo buscar a identificação das pessoas. O exilado, o proscrito em sua busca de redenção, o pária alfa.

Você não acha que o nome 'Judas' carrega uma imposição negativa?

Eu acho. Mas a intenção é essa. De se colocar na posição de condenado, pras pessoas ao mesmo tempo escurraçarem e se identificarem, que nem na malhação do Judas. Iisso permite que role uma sinceridade no “condenado”, uma liberdade. Tipo assim, é muito massa almejar ser Jesus, é legal tentar seguir São Francisco, mas todo mundo é Judas.
O importante é que a galera entenda que a identificação é com as falhas, que o ser humano é falho como o Judas. É uma lógica reversa da galera se olhar no espelho invertido e ver que não se pode julgar ninguém.
Porque no final todo mundo está sujeito ao erro. Falar a verdade e dar a real com liberdade, por isso pus a gente nessa situação de erro. Porque liberta.

É incrível que esse sentimento seja extravasado usando a viola caipira, que é uma forma de arte mais antiga e até discriminada...

É por isso que é legal. Porque como terreno inexplorado é riquíssimo em possibilidades, da mesma maneira que se releu o maracatu, o samba ou o frevo. E faz essa ponte do cerrado, com São Paulo, minha terra natal. Porque a viola é essencialmente paulista e é o primeiro instrumento a aportar no Brasil, com os Jesuítas. E nada mais justo que uma banda chamada 'Judas' venha levar a viola prum terreno mais pop.
Fora que eu acho que isso é natural no pop, como o manguebeat. É a possibilidade cíclica do tempo e da eterna renovação das coisas, como diziam Leminski e Wally Salomão (sobre a poesia do futuro).
Se eu fosse definir melhor, diria que é uma retomada de fé no formato de canção popular. A retomada de fé numa banda chamada 'Judas' – é própria expiação pelos pecados.
Mas a gente foi atrás de certa sonoridade híbrida, claro. Misturando as referências de regionalismo com as referências do que é "pop". E as letras fazem a liga...

E o que você está esperando alcançar com esse trabalho?

Eu espero que a galera se interesse pela proposta “diferente” e ouça bastante e curta as letras bastante também...

2014 Nonada

1. Nonada
2. Adeus, violeiro
3. Mormaço
4. Canção do exílio
5. Cobra criada
6. For do Agave
7. Caim
8. Entradas e bandeiras
9. De Comala a Macondo
10. Dobrado
11. Lugar público
12. Pássaro azul
13. Muçurana

Nenhum comentário: